1 de agosto de 2012

Torero: Uma entrevista com o pai (adotivo) da Olimpíada


Com o começo dos Jogos Olímpicos, me sinto na obrigação de entrevistar alguém sobre o assunto. Acabei optando pelo Barão de Coubertin, o homem que provocou a ressurreição das Olimpíadas. Só havia um pequeno detalhe a superar: o Barão morreu há mais de setenta anos.

Por José Roberto Torero*, na Carta Maior

Com o começo dos Jogos Olímpicos, me sinto na obrigação de entrevistar alguém sobre o assunto. Mas quem? Michael Phelps seria bom, Usain Bolt seria ótimo. Isinbayeva ou Sharapova, melhor ainda. Porém, acabei optando por um personagem mais importante do que estes: o Barão de Coubertin, o homem que provocou a ressurreição das Olimpíadas. Só havia um pequeno detalhe a superar: o Barão morreu há mais de setenta anos. Mas isso não seria problema para quem conhece Zé Cabala e tem duas notas de cinquenta.

Quando cheguei à casa do mensageiro das almas, do carteiro dos espíritos, do facebook do além, ele estava fazendo seus exercícios de meditação vipassana, um elevado estado de concentração que aos leigos chamam de cochilo.

Pigarreei para tirá-lo do transe. Ele limpou a remela dos olhos e disse:

- Bem vindo, nobre periodista internético. Em que posso ajudá-lo?
- Eu gostaria de entrevistar o Barão de Coubertin.
-Trouxe a oferenda?
Logo que mostrei as duas notas, ele começou a correr pela sala. E não só a correr. Imitou o discóbolo, deu um salto em altura sobre o sofá, fingiu jogar basquete, vôlei e futebol, e, por fim, nadou sobre o tapete. Então, já bem suado, levantou-se, ajeitou o turbante e falou com sotaque francês:
- Pierre-Charles Frédy, às suas ordens.
- O Barão de Coubertin?

- Em carne, osso e espectro.
- Que honra! Bem, para começar, eu queria saber de onde veio seu interesse pelo esporte.

- Da religião cristã.
- Heim?

- Eu explico. É que fui estudar na Inglaterra quando tinha uns 17 anos. Lá conheci um movimento chamado “Cristianismo muscular”, que buscava a perfeição espiritual através do esporte e da higiene. O principal líder desta doutrina era o pastor anglicano Thomas Arnold, e me tornei seu discípulo.
- Eu nunca tinha ouvido esta história sobre o senhor.

- Pois é, o pessoal só fica dizendo que eu inventei a frase: "O importante não é vencer, é competir". Mas essa frase nem é minha. É do pastor Ethelbert Talbot.
- E depois desta sua fase inglesa?

- Viajei para o Canadá e para os EUA, a fim de estudar o papel da educação física no desenvolvimento do indivíduo. Quando voltei para Paris, já com uns 25 anos, criei a União dos Esportes Atléticos e a primeira revista esportiva, a Revue Athlétique.
- O senhor se formou em pedagogía, certo?

- Certo. E para mim o esporte é algo pedagógico. Ele mostra que o espírito de luta é fundamental. O bom esportista recua mas não desiste. Sofre, mas não foge. Se lhe falta fôlego, descansa e espera. E, se é derrotado, anima seus companheiros.
- Como foi a luta para a volta dos Jogos Olímpicos?

- Em 1892, eu apresentei na Universidade Sorbonne, em Paris, um estudo sobre "Os exercícios físicos no mundo moderno". E propus recriar os Jogos Olímpicos.
- Aposto que foi um sucesso.

- Ninguém deu a menor bola.
- E quando o senhor conseguiu virar o jogo?

- Dois anos depois, no mesmo lugar, eu organizei um congresso internacional. Nem coloquei a recriação dos Jogos na pauta, para não afugentar o pessoal. Mas no final do congresso inclui o assunto e ele foi aprovado. Também propus que a primeira edição fosse em Atenas. Os ingleses, os alemães e o governo grego eram contra, mas consegui o apoio do Duque de Esparta, príncipe herdeiro da Grécia, e ele convenceu os reticentes.
- Imagino que tenha sido complicado organizar estes primeiros Jogos.

- Muito. A Grécia, como agora, estava com problemas financeiros. Mas o príncipe conseguiu que fossem emitidos selos comemorativos para arrecadar dinheiro. E Jorge Averof, um milionário egipcio, se propôs a pagar a reconstrução do estádio de Atenas. No dia 6 de janeiro de 1896, a chama olímpica voltou a brilhar. Renasciam os Jogos Olímpicos, com a presença de 13 países e 311 atletas. Todos homens, é claro.
- O senhor era contra a competição para mulheres?

- Totalmente. A mulher tem um corpo que prima pela graça. Não se pode estragá-lo com ginásticas embrutecedoras. Enquanto eu era presidente do COI, não permiti que elas participassem. Mas depois de 1924, quando eu saí, elas foram entrando. E tudo começou por causa de uma tal de Alice Milliat, que em 1921 criou os Jogos Mundiais Femininos. Com o tempo, a solução foi incorporar as mulheres, antes que elas fizessem uma competição forte só delas.
- O senhor também era contra o profissionalismo, não era?

- Totalmente. O esporte deve ser praticado por paixão e por saúde.
- Mas isso não faria com que o esporte fosse exclusivo para os ricos?

- Para mim, o dinheiro tira a pureza do esporte.
-Mas, já que alguém vai ganhar dinheiro, não é justo dividi-lo com os atletas? O dinheiro deve ficar só com os promotores dos eventos?

- Olhe, comigo não ficou nada. Gastei minha fortuna para promover a volta dos Jogos Olímpicos. Morri sem dinheiro.
- Onde e como?

- Em 1937, quando estava caminhando num parque em Genebra. Um ataque cardíaco fulminante. Meu corpo foi enterrado em Lausanne. Mas meu coração foi sepultado perto das ruínas da antiga Olímpia. Não poderia haver honra maior para mim.
*José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.




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